- híbridos eles se procuravam, mal disfarçando a gravidade. Uma vez ou outra, ele ainda sentia aquela incrédula aceitação da coincidência: ele, tão original, ter encontrado alguém que falava a sua língua! Aos poucos compactuaram. Bastava ela dizer, como numa senha, "passei ontem uma tarde ruim", e ele sabia com austeridade que ela sofria como ele sofria.
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E, por não serem mesquinhos, passavam por cima do fato de terem muita facilidade para mentir - como se o que realmente importasse fosse apenas a sinceridade da imaginação.
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O fato é que, tendo uma vez se encontrado na parte secreta deles mesmos, resultara na tentação e na esperança de um dia chegar ao máximo. Que máximo?
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Um pedia muito do outro, mas é que ambos tinham a mesma carência, e jamais procurariam um par mais velho que lhes ensinasse, por que não eram doidos de se entregarem sem mais nem menos ao mundo feito.
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Mas ambos haviam nascido com a palavra poesia já publicada com o maior despudor nos suplementos de domingo dos jornais. Poesia era a palavra dos mais velhos. E a desconfiança de ambos era enorme, como de bichos. Em quem o instinto avisa: que um dia serão caçados. Eles já tinham sido por demais enganados para poderem agora acreditar.
[Retirei acima meus trechos preferidos do conto "A mensagem" da única Clarice Lispector, que a cada vez leio em uma diferente emoção, neste quase um filme conhecido... O conto inteiro é incrível, recomendo a obra inteira, sempre. ]